Fotos Públicas

Fotos Públicas no Xingu com Alaor Filho

Eduarda Ferreira
Fotos Públicas no Xingu com Alaor Filho

O Fotos Públicas acompanhou de perto um momento histórico na Terra Indígena do Xingu, registrando um evento importante para os 16 povos que vivem na região. O fotojornalista Alaor Filho foi responsável por captar as imagens da celebração que marcou a entrega da réplica da Gruta Kamukuwaká, um local sagrado destruído em 2018. Durante uma semana, Alaor mergulhou na rotina da aldeia Ulupuwene, no Mato Grosso, onde vivenciou aprendizado e conexão com a comunidade. “Eu já havia convivido com indígenas antes, mas não no Xingu. Foi minha primeira vez lá e fiquei muito impressionado. A simpatia e o acolhimento deles são incríveis”, disse Alaor. 

Após seis anos de luta, a comunidade recebeu uma réplica em tamanho real da gruta, feita em 3D, permitindo que os povos indígenas se reconectassem com suas tradições e mantivessem viva sua herança cultural e, na última quinta-feira, 3 de outubro, a aldeia celebrou o fim de uma dor. A Gruta Kamukuwaká, de forte valor cultural e espiritual para os povos do Xingu, foi vandalizada e destruída em uma fazenda de soja fora da área demarcada. A gruta original, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), representava a ancestralidade do povo Wauja. Alaor, em parceria com a Print Comunicação e o People’s Place Project, participou ativamente da cobertura desse momento. 

O fotojornalista destacou que a comunicação com a comunidade ultrapassou as palavras, ocorrendo por meio de gestos e olhares. “As crianças falam apenas a língua delas. Elas começam a aprender português por volta dos 10 ou 12 anos, mas até lá, se comunicam somente na língua indígena. Mesmo assim, conseguem se comunicar conosco de outras formas. Por exemplo, elas te chamam para ir até o rio, apontam, te conduzem. É encantador!”, comentou. 

A semana de festa foi repleta de rituais e encontros. A entrega da réplica foi muito mais do que uma representação física: simbolizou a resistência cultural. A gruta homenageia Kamukuwaká, um guerreiro que, segundo a tradição, viveu nas florestas do Mato Grosso antes da chegada dos portugueses. Esse momento fortaleceu a identidade dos povos do Xingu e reafirmou a importância de preservar suas tradições. 

Para Alaor, a experiência foi transformadora tanto no âmbito pessoal quanto no profissional. O caminho até a aldeia já trouxe reflexões. "Quando pegamos o carro, passamos cerca de 8 horas por áreas desmatadas. Há momentos em que parece que vamos nos perder, atravessando plantações e áreas áridas. Quando finalmente entramos na floresta, é um alívio. O contraste é tão grande que, na volta, você reflete sobre o quanto já foi floresta e hoje está tudo desmatado", relata o fotógrafo. 

  

"Do ponto de vista profissional, foi especial para mim como fotojornalista. Eu cresci vendo fotos do Xingu em revistas e sempre sonhei em registrar algo assim. A organização das danças, o cuidado com as expressões culturais e o orgulho que eles têm de sua herança são impressionantes. Durante as danças, há momentos em que as mulheres não participam e se afastam, indo de costas para suas ocas, o que faz parte de suas tradições", ressalta. 

  

A Cobertura Fotográfica 

Alaor conta como foi o processo de captura das imagens:  

"Em algumas fotos, precisei ajustar o enquadramento na hora de capturar. Outras, acabei descartando na edição. Isso já era um acordo prévio com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) antes da viagem. Eles deixam isso claro, e é algo que precisamos respeitar. Faz parte do processo. 

Fotografar lá foi emocionante. Havia muito acontecendo ao mesmo tempo, muitos elementos visuais. A música deles nos envolve de um jeito único. Sabe aquela sensação em que a música te contagia e você quase começa a dançar junto? Foi assim que me senti. 

Mas é preciso cuidado ao fotografar. O estilo lá é mais de aproximação, usando uma lente grande angular e mantendo uma certa distância para não interferir no ambiente. Com esse espaço, conseguimos unir vários elementos na imagem: as expressões das pessoas, suas mãos, objetos em primeiro plano e ainda capturar o fundo, que inclui a quantidade de pessoas e a paisagem ao redor. 

O desafio é quando eles se movimentam. Quando viram um pouco para o lado, para eles é um movimento sutil, mas para quem está fotografando com uma lente grande angular, pode significar correr uns 30 metros para tentar ficar de frente novamente. E, às vezes, quando você chega na posição certa, eles já mudaram de direção. É uma correria, em um ambiente quente e empoeirado, sob o sol forte. 

A luz é outro fator importante. Sempre buscamos os melhores horários para fotografar, de manhã cedo ou no final da tarde, quando a luz está mais suave. Dependendo do momento, você pode usar a luz a favor ou contra. Foi uma experiência incrível. Estou muito feliz com o resultado, ainda estou admirando as fotos. No primeiro cartão de memória, tirei 2.300 fotos. No segundo, quase 900. No total, foram cerca de 4.000 fotos. Conheço cada uma delas, lembro de cada momento. Com a fotografia digital, é fácil marcar as fotos favoritas e, depois, ao passar para o computador, já ter uma ideia do que gostou. 

A edição foi um processo intenso. Passei dois dias revisando o material. No primeiro dia, fiquei até as quatro da manhã editando, começando por volta das oito da noite. Para mim, esse é o melhor horário para editar: sem interrupções, ouvindo uma música, concentrado. 

Até agora, as publicações foram feitas para o Fotos Públicas, Print e People’s Palace Project. Mas ainda pretendo fazer uma seleção pessoal, escolhendo as fotos que mais gosto, para publicar algo que reflita de forma mais íntima tudo o que vivi e vi por lá." 

  

Para qualquer fotojornalista, essa seria uma experiência profissional que carrega grande responsabilidade, exigindo um olhar mais apurado e atento a cada detalhe. Pessoalmente, a convivência com os povos originários nos traz a reflexão sobre a simplicidade da vida e o sentimento de pertencimento a uma terra tão rica. 

  

As imagens capturadas pelo olhar de Alaor Filho fomentam o respeito a essas tradições, que, na maior parte das vezes, conhecemos tão pouco. O que fica é a reflexão sobre a herança indígena e a ideia de que o fotojornalismo não é apenas sobre tirar fotos, mas sobre criar pontes entre mundos, culturas e ancestralidades, contribuindo para o resgate de histórias que merecem ser contadas. 

As fotos já estão em nosso site, confira: https://www.fotospublicas.com/acervo/meio-ambiente/replica-da-gruta-sagrada-de-kamukuwaka-e-inaugurada-em-novo-museu-no-alto-xingu

Escrito por Eduarda Ferreira

Crédito da imagem: https://www.instagram.com/filho.alaor/